Neem
(ou Nim), árvore-maravilha
Profa. Ceci Mendes Carvalho*
A Azadirachta
indica, o Nim (muitas vezes citado, entre nós, sob a forma em inglês, Neem), é uma planta que tem apresentado
tantas qualidades, em termos medicinais, como também econômicos, tem sido designada
como árvore-maravilha (wonder tree),
ou farmácia da natureza (nature’s
drugstore)1.
São citados cerca de cem nomes para essa planta, em
revisão feita por autor com atuação no Egito e na Malasia2.
O Nim é uma árvore perene, original do subcontinente
indiano, e reverenciada há milhares de anos. É conhecida desde a pré-história.
Seu nome em persa pode ser traduzido como “a árvore livre da Índia”. Conhecem-se
citações sobre ele desde mais de 4000 anos atrás. Foi utilizado numa das formas
mais antigas de medicina, a medicina Siddha (empregada desde cerca de 10mil
anos antes de Cristo, até cerca de 4000 anos AC), entre o povo Tamil, sendo a
primeira planta citada por eles, como neem
ou margosa. Textos da literatura
tâmil, em folhas de palmeira, têm sido bem conservados, existem hoje em
bibliotecas em vários pontos do mundo (especialmente na India, Alemanha,
Grã-bretanha e Estados Unidos) e, hoje em dia, com os recursos tecnológicos de
fotografia e digitalização, tornaram-se acessíveis amplamente, até mesmo pela
internet. Nesses textos com freqüência se descrevem plantas medicinais,
incluindo não só sua descrição, como incluindo o modo de uso, proporções,
partes da planta, etc.3. Em escritos sânscritos antigos é denominado
por arishtha, que significa “que cura
doenças”. Tem sido utilizado amplamente pelos terapeutas das medicinas
ayurvédica e unani, pois, dependendo da parte utilizada da planta, tem capacidade
de combater a febre, a dor, e tem várias outras atividades terapêuticas,
inclusive como antimalárico e contra a lepra. È também muito eficaz como
repelente de vários tipos de insetos. Estudos do formato que se faz no ocidente
só se iniciaram após os anos 50, século XX4.
O nim é uma árvore da mesma família do mogno (Meliaceae), tem crescimento rápido, e se
adapta a diferentes climas, mesmo à seca (embora seja de clima tropical), tem
copa densa e pode alcançar 20m de altura. Tem sido cultivada em várias partes
do mundo, nas Américas, na Alemanha, e, no Brasil, foi introduzida por Belmiro
Pereira das Neves, em 1993, como capaz de evitar o uso de agrotóxicos. Ele
argumenta que a árvore não só pode ser utilizada na produção de pesticidas, mas
também na agricultura familiar, porque oferece sombra e frutos. Tem sido
utilizada em projetos de reflorestamento, em substituição aos pinheiros e
eucaliptos, porque seus frutos atraem animais e sua cultura é considerada de
baixo custo. Comercialmente pode ser aproveitada de vários modos, desde sua
madeira, resistente e bonita, como na produção de repelentes, pesticidas e
vários tipos de fármacos e cosméticos5.
Uso
medicinal do nim
Em medicina
tradicional, essa planta tem sido utilizada de várias formas, e várias partes
dela (casca, folhas, frutos, etc) com finalidade curativa. Por séculos seus galhos foram aplicados na limpeza
dos dentes, e a planta foi empregada para tratar febres, como tônico,
antiinfeccioso, e inclusive contra dengue. Também foi usada como desinfetante e
repelente de insetos, até mesmo dentro de armários ou de livros. Pesquisadores
atuais, de fato, confirmaram várias de suas ações, justificando o nome de
‘planta-maravilha”3.
Foram isolados do nim cerca de 150 diferentes compostos
químicos com atividade farmacológica, presentes em proporções diferentes
conforme a parte da planta utilizada e também dependendo do método de extração.
Todas as partes dessa planta apresentam potencial terapêutico, e foram
utilizadas na medicina tradicional. A sua utilidade foi descrita em maior
proporção quanto às suas folhas. Em revisão, encontram-se citações dessa
capacidade terapêutica como imunomodulatório, antiinflamatório,
hipoglicemiante, antiulceroso, antimalárico, antifúngico, antibacteriano,
antiviral, antioxidante, antimutagênico, anticarcinogênico. Os autores chamam
essa folha de ‘tesouro’ e declaram enfaticamente a necessidade de amplificar os
estudos, visando desenvolvimento de novos medicamentos6.
-Antibacteriano
O óleo de nim
demonstrou atividade antibacteriana em estudos in vitro3. Em avaliação de seis diferentes pastas de dentes feitas com
produtos herbáceos, aquela com nim na sua composição revelou-se altamente
eficaz contra os germes pesquisados (Streptococcus mutans e Actinobacillus
actinomycetemcomitans)7 Um medicamento feito a partir de folhas de nim, comercializado
na Nigeria, demonstrou várias atividades terapêuticas, destacando-se como
antimalárico, no combate ao HIV e ao câncer8. Defende-se a
ampliaçãoda pesquisa de antimaláricos entre várias plantas, cuja ação já foi
descrita, incluindo-se entre elas o nim, pois os antimaláricos disponíveis até
o momento são, de fato, derivados fitoterápicos, e há várias plantas muito
promissoras a serem estudadas e aproveitadas9.
-Antiparasitário
Revisão demonstra a atuação de vários recursos vegetais,
incluindo o nim, tanto in vitro, como
in vivo, Quanto à A. indica, estudos in vitro demonstraram atividade extraordinariamente boa, citada
pelos autores como tão boa como a de novas drogas sintéticas, que eles
acreditam levará ao desenvolvimento de medicamentos menos tóxicos, mais baratos
e facilmente obteníveis10.
-Antiviral
Alguns estudos
demonstraram atividade in vitro contra
hepesvirus, vírus da poliomielite e outros3. Como já mencionamos, revisão sobre medicamento
produzido na Nigeria demosntrou sua atividade contra HIV/AIDS8.
-Em doenças sexualmente
transmitidas
Entre outros relatos de
atuação do nim sobre doenças sexualmente transmissíveis, destaca-se sua
eficácia contra Neisseria gonorrhoeae3.
-
No sistema imune
Há estudos demonstrando
que a azadiractina, composto do nim, atua sobre o fator de necrose (TNF)
inibindo as respostas induzidas por ele. E também sobre atividade do ácido
retinóico3.
-Antiinflamatório
Com produtos das folhas
observou-se ação antioxidante e protetora sobre o dano oxidativo, tanto no DNA,
como em células sanguíneas3.
-Antineoplásico
Produtos oriundos do
nim demonstraram-se capazes de atuar de várias formas sobre as neoplasias, como
na ação citotóxica e sobre as ligações do DNA, na indução de apoptose e
sinalização das linhagens cancerosas, em alguns tipos de câncer, como os de mama,
de pâncreas, de próstata3. Revisão sobre o potencial antineoplásico do nim descreve seu
papel protetivo, tumor-supressivo, imunomodulatório, indutor da apoptose e com
mecanismos moleculares. Destaca a necessidade de estudos o quanto antes, pelo
fato de ser muito promissor1. Há estudos com várias substâncias do nim, entre elas a
azadiractina e o nimbolide, comprovando sua atuação em diversos mecanismos
antineoplásicos.A conclusão é que o nim é muito promissor, porém os estudos
todos são de pesquisa básica, e a carência de estudos clínicos é um obstáculo
que precisa ser superado11. Outra revisão, abordando somente o
nimbolide, descreve sua ação inibindo a proliferação e mesmo metástases de alguns
tipos de câncer, relatando mecanismos moleculares de ação, e reitera, nas suas
conclusões, que há necessidade de estudos in
vivo e estudos clínicos12.
-Em doenças de pele
O óleo de nim tem demonntrado
utilidade no tratamento de acne, de psoríase, de parasitoses dermatológicas, e
tem sido utilizado na formulação de diversos cosméticos3.
-Em doenças digestivas
Conhecido, na medicina
ayurvedica, como agente terapêutico para diversos distúrbios digestivos, tem-se encontrado demonstrações,
em estudos mais recentes, de ação protetora do estômago, eliminação de toxinas
e mesmo de bactérias3. Revisão discute que, embora existam drogas bastante potentes e
eficientes para controle desses problemas digestivos, elas não são desprovidas
de riscos, e sempre há interesse em pesquisar outros produtos, entre os quais
os fitoterápicos podem ter um lugar destacado. E, entre eles, o nim. Relatam
estudos em animais e inclusive estudos clínicos, demonstrando que o extrato da
casaca do nim tem grande potencial no desenvolvimento de medicamentos para o
controle da hiperacidez e úlcera
gástricas13.
-Antiparasitário
Historicamente tem sido
usado para tratamento de ecto e de endoparasitas. Alguns estudos recentes
sugerem que atue sobre o sistema hormonal deles, truncando seu ciclo biológico,
e também tem sido mencionado como eficiente repelente, especialmente contra
anofelinos3.
-Antidiabético
Na medicina tradicional há várias referências de uso do
nim no tratamento de diabete. Em estudo sobre sua atuação molecular, a azadiractina
demonstrou eficiência contra a atuação da enzima PEPCK (fosfoenolpiruvato
carboxiquinase), implicada no mecanismo de resistência a insulina da doença. Os
autores acreditam que essa atuação mereça maior número de pesquisas, na
intenção de desenvolvimento de novos medicamentos14.
-No controle da fertilidade
Muitas plantas, historicamente, foram empregadas na
tentativa de controle da fertilidade. Em revisão sobre várias plantas, o nim ,
utilizado em ratos demonstrou a capacidade de danificar as células reprodutivas
e os canais seminíferos. Esse efeito reverteu-se após 42. dias. Quando
utilizada a azadiractina, não se observou esse efeito danoso. Assim, a
azadiractina deve ser mais vantajosa que o extrato de nim, no uso prático de
controle de pragas. Os autores procuram explicar o mecanismo de ação das
plantas, atuando sobre atividades moleculares, afetando a esteroidogênese15.
O nim tambem é utilizado, na medicina ayurvedica, para regularização da
fertilidade feminina, por provável mecanismo oxidativo, induzindo apoptose nos
oocitos16. Outra revisão discute estudos em ratos, em que se
observou a redução da espermatogênese. Concluem que as várias plantas
estudadas, entre elas o nim, têm potencial que poderia ser utilizado no
desenvolvimento de novos medicamentos úteis no controle da fertilidade17.Os
autores discutem o mecanismo de ação neste caso.
O
nim em ginecologia
Revisão sobre o
uso do óleo extraído das sementes dessa planta refere inúmeras propriedades. Entre
as aplicações no âmbito da ginecologia e obstetrícia, relatam-se várias: como
contraceptivo intravaginal, no tratamento de infecções vaginais e leucorréia,
na dismenorréia, e mesmo como emenagogo, ou seja, de provocar o sangramento após
o atraso menstrual, o que remete a sua ação abortiva. Além de, cicatrizante,
poder ter utilidade no pós-operatório, especialmente em feridas cirúrgicas de
difícil cicatrização2.
O
nim como repelente de artrópodes indesejáveis
Autores brasileiros, em estudo realiado há mais de 20
anos, demonstraram que a azadiractina possui a capacidade de inibir a
proliferação de Trypanozoma cruzi, o
causador da doença de Chagas, no vetor dele, ou seja, nos triatomídeos. E que
isso ocorre mesmo com uma única dose da azadiractina. Ao momento do estudo,não
havia aplicação prática19. Outros pesquisadores, mais recentemente,
comentam que muitos estudos foram feitos, na pesquisa de produtos naturais
atuantes sobre ecto e endoparasita, mas que o Segundo passo, ou seja, o
desenvolvimento de produtos comerciais, não foi realizado, perdendo-se o
esforço despendido. Descrevem o uso tradicional de nim e de Vitex agnus-castus
n a agricultura, veterinária e prevenção da saúde, em que essas plantas
demonstraram capacidade de repelir vários artrópodos. O extrato do nim foi
utilizado em várias diluições, em xampus e loções aplicadas em animais,
comprovando-se não só ser muito eficaz, mas também sem efeitos adversos para a
pele20..Esses autores,em outro estudo, descrevem a atividade de
produtos comerciais com nim relatando sua eficiência sobre vários desses
artrópodos, e mesmo sobre as larvas de
algumas espécies deles, em diferentes concentrações, e diferentes aplicações21.
Nim:
benéfico ou maléfico?
O nim tem sido considerado uma árvore cheia de vantagens,
que pode resolver alguns problemas da humanidade. Com a destruição de recursos
naturais que podemos observar, conseqüente ao desenvolvimento e crescimento
humano, é vital encarar soluções para restauração do meio ambiente, a fim de
evitar graves conseqüências em futuro breve. O nim pode prover soluções, pois é
adequado ao reflorestamento, adapta-se bem a clima diferente daquele seu
original, e é fonte de madeira, de substâncias químicas importantes para a
saúde e mesmo para a indústria, com cultura de baixo custo. Até mesmo a sua
torta (material restante após a extração do óleo) tem utilidade como adubo
orgânico rico em nitrogênio, potássio, enxofre, etc. Sem contar as inúmeras
aplicações (muitas delas ainda não exploradas) em medicina e veterinária5
No entanto, ambientalistas alertam sobre riscos trazidos
pelo nim. No Brasil, foi introduzido em áreas de caatinga, foi utilizado como
alternativa para a arborização urbana e rural, para reflorestamento e
quebra-ventos. No entanto, deve ser considerada planta invasora, justamente
pela sua grande adaptabilidade e resistência, afetando o bioma, por alterar a
fauna e a flora da região. Considera-se que possa, em curto espaço de tempo, afetar
seriamente, e até extinguir, espécies características e naturais da região.
Como é um repelente natural, pode prejudicar seriamente a polinização das
plantas dependentes dos insetos por ele influenciados. Como tem propriedades
abortivas, pode causar diminuição da população animal, mesmo de pássaros, que
se tornam estéreis. Pode empobrecer a terra, pelo fato de alimentar-se de
microorganismos do solo, e também pela possibilidade de contaminação de águas.
Esses ambientalistas conclamam a medidas governamentais regulando seu cultivo,
ao contrário do que vem acontecendo, em que há mesmo incentivo à disseminação
do nim22, 23. Também no Sudão
observou-se que em áreas plantadas com nim outras espécies naturais
desapareceram4.
*Dra. Ceci Mendes Carvalho é Doutora em Ginecologia e Assistente da Clínica Ginecológica do HCFMUSP, especialista em Fitoterapia.
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