terça-feira, 13 de março de 2012

Atualização Científica Relâmpago

Artigos recentes do New England Journal of Medicine
Resenha Dr. Homero Guidi
Editor do www.ginecousp.com.br
O risco iminente da infecção gonocócica intratável.
Título original  :  Perspective: The Emerging Threat of Untreatable Gonococcal Infection
Bolan GA, Sparling PF, Wasserheit JN.
N Engl J Med, 2012, 366;6:485-487.

Em editorial do dia 9 de fevereiro de 2012 especialistas do CDC americano e das Universidades de Washington e North Carolina alertam que as gonococcias, que respondem pelo segundo lugar das DSTs de notificação, segue na sua característica de rapidamente desenvolver resistência aos agentes utilizados no seu tratamento.
Foi assim com a sulfanilamidas nos anos 40, com as penicilinas e tetraciclinas nos anos 80 e as fluoroquinolonas ao redor de 2007.
Do ponto de vista da saúde pública, quando a prevalência da resistência antimicrobiana excede 5% pela monitoração do Gonococcal Isolate surveillance Project (GISP), as recomendações nacionais de tratamento são mudadas para drogas mais efetivas. Atualmente a recomendação do CDC está restrita unicamente à terceira geração de cefalosporinas.
A preocupação, que motiva o alerta, é o rápido decréscimo da susceptibilidade do gonococo a essas drogas.   Entre 2006 e 2011 houve um aumento de 17 vezes a quantidade da concentração inibitória mínima nas culturas (MIC).  O parâmetro laboratorial definidos pelas instituições de controle estabelece um   MIC igual ou abaixo de 0,25µg/mL.  Nos Estados Unidos esse avanço tem sido particularmente notado no oeste do país e na população de homens que fazem sexo com homens (MSM). Mas a situação mais grave já foi descrita no leste asiático em 2003, Noruega e Reino Unido em 2010.  Alguns desses casos pontuais (ainda pontuais, felizmente) apresentavam  MICs de 2,0 a 4,0 µ/mL para a ceftriaxona. Felizmente nesses anos a vigilância epidemiológica, sobretudo no Japão, não detectou uma disseminação dessa cepa, o que, no entanto não garante que isso não vá acontecer ou esteja acontecendo num ritmo mais lento.
         Os mecanismos de resistência do gonococo estão relacionados com mutações gênicas  envolvendo especificamente os genes penA , penB  e mtrR, que, respectivamente estão envolvidos com a codificação da proteína 2 de ligação da penicilina (PBP2),  a entrada através dos canais de membrana (PorB1b) e o mtrR  que é um repressor da bomba codificada pelo MtrCDE.
         Não se sabe se doses maiores de cefalosporinas podem compensar a emergência de cepas resistentes.
         Atualmente  250 mg de ceftriaxone intramuscular, associado a 1 g de azitromicina por via oral constituem o tratamento standard, com cobertura de outros co-patógenos. Nesse panorama a doxiciclina parece ser menos atraente uma vez que gonococos resistentes às cefalosporinas de terceira geração, geralmente já exibem resistência às tetraciclinas. Pacientes alérgicos às cefalosporinas têm como única opção a administração de 2g de azitromicina oral, embora o próprio GISP tenha compilado 126 casos/amostras desde 2005 com MIC de azitromicina acima de 2 µ/mL, sendo que em 2010 foram 27 casos, incluindo um caso de total resistência no Hawaii em 2011 com MIC maior que 512µ/mL!
         Não há muito que fazer em termos de prescrever outra droga como primeira escolha.  As medidas preconizadas diante dessa situação com potencial de aumento dos casos, atingindo a prática clínica de cada um são as de controlar o resultado do tratamento, em torno de uma semana. Qualquer sinal ou sintoma de falha merece a indicação de cultura ou PCR para o gonococo, com teste de sensibilidade para orientar o novo tratamento.  Outras novidades que vem vindo por aí são testes de biologia molecular capazes de detectar antecipadamente quais  os gonococos com as alterações genéticas relacionadas com a resistência às cefalosporinas.

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Trombocitose paneoplásica no tumor de ovário.  Compreendendo o seu papel no crescimento do tumor e especulando novas abordagens terapêuticas.

Título original:  Paraneoplastic Thrombocytosis in Ovarian Cancer
Stone et. All .
N Engl J Med, 2012, 366;7:610-618.

Num artigo bastante original e elegante os autores, de mais de uma dezena de instituições americanas de saúde, observaram 619 pacientes com câncer de ovário associando as contagens plaquetárias e o desenlace da doença.
A trombocitose esteve significativamente associada com doença avançada e sobrevida curta.  Os níveis plasmáticos de trombopoietina e interleucina-6 estavam significativamente elevados nas pacientes com trombocitose comparativamente as que não a exibiam. No modelo animal o uso da interleucina-6 derivada do tumor aumentou a síntese da trombopoietina hepática.  A relação das duas substâncias também foi verificada nas pacientes. Tratamentos utilizando anticorpos anti-interleucina-6 conseguiu reduzir significativamente os níveis de plaquetas nas pacientes e também no modelo animal. Nesse último um efeito adicional da redução das plaquetas foi  uma melhora da eficácia do paclitaxel no câncer de ovário epitelial, reduzindo seu crescimento e angiogênese.
Concluem os autores que certamente, no câncer de ovário, existe um mecanismo parácrino  que induz a produção de citocinas trombopoiéticas no tumor e nos tecidos do hospedeiro que leva a trombocitose paraneoplásica que alimenta fortemente o crescimento tumoral. Identifica-se na contenção dessa trombocitose, com as citocinas como alvo direto ou indiretamente uma terapia potencial a mais no combate ao câncer de ovário.