terça-feira, 21 de setembro de 2010

Evolução da reconstrução mamária no Depto de Cirurgia Plástica do HCFMUSP


A reconstrução mamária é um dos componentes imprescindíveis do tratamento de Câncer de Mama nos dias atuais. Tão importante quanto a cirurgia que remove o tecido canceroso é a reconstrução, geralmente imediata da mama dessas pacientes, minimizando os efeitos danosos na esfera psíquica e no equilíbrio mental de um evento e período tão traumáticos para a mulher.

O Câncer de Mama é um problema de saúde pública pela sua frequência e consequências.

Na reunião da Disciplina de Ginecologia dessa quarta-feira, dia 22/9/2010, o tema vai ser abordado pelo professor convidado, Dr. Marcus Castro Ferreira, Professor Titular de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Chefe da mesma clínica no Hospital das Clínicas.

A Cirurgia Plástica ao longo de todos esses anos tem mantido uma estreita cooperação com o Serviço de Mastologia da Clínica Ginecológica, atualmete sob a direção do Prof. Dr. José Roberto Filassi.

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CV - Prof. Dr. Marcus Castro Ferreira

Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo em 1967, sucessivamente doutorou-se em Clínica Cirúrgica na mesma universidade em 1973 e obteve a Livre-docência em Cirurgia Plástica (CP) em 1978.

Atualmente é Professor Titular da Faculdade de Medicina da USP desde 1991, onde responde pela Disciplina e Divisão de Cirurgia Plástica da Faculdade e do Hospital das Clínicas da FMUSP.

É o pioneiro e responsável pelo desenvolvimento da microcirurgia reconstrutiva no Brasil.

Na CP ainda atua em ensino e pesquisa nas seguintes areas: tratamento de feridas complexas, queimaduras, cirurgia plástica estética, microcirurgia reconstrutiva, cirurgia de nervos perifericos. Responde pelo LIM de Pesquisas na especialidade e supervisor do Programa de Residência Médica e Pós Graduação de CP nas duas Instituições.


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Evolução de técnicas – 35 anos da reconstrução da mama no Hospital das Clínicas, FMUSP, São Paulo.

Marcus Castro Ferreira ,Professor Titular e Chefe da Divisão de Cirurgia Plástica HC-FMUSP
*Conferência proferida na Reunião do departamento de Obstetricia e Ginecologia da FMUSP em 22 de setembro de 2010


Muito evoluímos nas técnicas e resultados da reconstrução da mama feminina.

Após tratamento do câncer, era praticamente inexistente a reconstrução da mama,no inicio dos anos 70.Eu concluia ,à época, minha formação no HC e a Disciplina de Cirurgia Plástica tinha contato com casos vindos da Ginecologia, pacientes portadoras de câncer eram tratadas com mastectomia radical a Halsted, mutilante, seguido por radioterapia. Não se cogitava em reconstrução imediata e o procedimento “plástico” tido de caráter mais estético deveria aguardar 5 anos , tempo considerado o adequado para cura.

O conhecimento sobre retalhos musculares (principalmente de Mathes e Nahai) e a introdução da microcirurgia vascular por nós em nosso meio motivava alguns cirurgiões a tentar novos métodos para reconstruí-la Graças a microcirurgia viajava com freqüência ao Exterior; conheci novos caminhos da cirurgia plástica e iniciamos a primeira fase desta experiência com a mama no HC (1975-84): a principal técnica era a associação do grande dorsal com implantes mamários, em reconstruções tardias; os resultados na maioria eram esteticamente imperfeitos, mas bem recebidos pelas pacientes (1). Tínhamos que lidar com muitas complicações das mastectomias

Uma segunda fase se iniciou para nós em 1984. Hartrampf em Atlanta apresentava técnica usando o retalho do reto abdominal, popularizado como TRAM., e experiências pessoais de alguns colegas (Jorge Ishida, Merlin Keppke ) nos animavam a prosseguir, os resultados com o TRAM eram superiores ,esteticamente, aos dos implantes. No início dos anos 90, assumimos, o Prof. Pinotti, a cadeira de Ginecologia da FMUSP e eu, a da Cirurgia Plástica e pudemos introduzir no HC tratamento integrado após a mastectomia, a reconstrução imediata passou a conduta preferencial para a mulher com câncer na mama. Com a transformação do Hospital Perola Byington, antiga maternidade, em hospital oncológico para a mulher, com ênfase no câncer mamário ampliou-se o número de pacientes que podíamos operar (em relação a menor capacidade no HC) e abriu-se campo para os nossos residentes , estendendo-se depois para residentes de vários outros serviços em SP.

A técnica do TRAM foi objeto de inúmeras pesquisas clínicas e forneceu sólido embasamento para a prática da reconstrução por nossos jovens cirurgiões plásticos. Havia controvérsia à época (e que ainda persiste em nossos dias) da necessidade ou não de se levar o retalho TRAM com um só músculo (a maioria dos autores) ou bipediculado (o mais conhecido defensor era o Dr. Keppke). Já se sabia, entretanto, que a perfusão pelos vasos epigástricos superiores era inferior a dos epigástricos inferiores.

Não houve linha divisória clara mas se usarmos critério de décadas, diríamos que essa segunda fase foi até 1994.
O primeiro TRAM microcirúrgico para reconstrução mamária já havia sido feito por nós em 1989, as reconstruções com microcirurgia caminhavam no HC em paralelo às feitas com o TRAM e implantes. Pudemos comparar duas experiências: no Perola Byington(os assistentes eram do HC) a reconstrução era mais convencional com o TRAM mas no HC se preferia a reconstrução microcirúrgica,

Assim a terceira fase desta nossa história, a fase microcirúrgica ocorreu arbitrariamente de 1995 até aos dias atuais,em paralelo com reconstruções convencionais.

Houve melhoria no tratamento do câncer mamário – a mortalidade diminuiu drasticamente, a cirurgia era menos mutilante, a radioterapia menos agressiva. A técnica microcirúrgica com reconstrução imediata levava a melhores resultados estéticos e menor seqüela na área doadora pois apenas pequena porção do reto era retirada com o retalho e conseqüentente menor seqüela funcional na área doadora.
Na década de 2000 ,esses conceitos se expandiram: a mastologia aceitou a ressecção mais conservadora com reconstrução imediata; há mais discussão multidisciplinar quanto às opções de conduta ,individualizada para a paciente. Esta está cada vez mais exigente: quer ser curada do câncer mas com melhor resultado estético e funcional.

A cirurgia plástica do HC desde o fim dos anos 90, já com experiência de nível internacional na reconstrução da mama ,teve a partir de 2000 a possibilidade de usar opções técnicas mais sofisticadas – os retalhos microcirúrgicos baseados em vasos perfurantes do reto abdominal - experiência desenvolvida pelo Dr. Munhoz e equipe 2
As vantagens seriam importantes,em princípio não há sacrifício de músculo, a ressecção pode hoje,em muitos casos atingir resultados estéticos,que seriam inimagináveis em meus tempos de residente.
O Grupo da Reconstrução de Mama do HC não está mais no Pérola mas com a inauguração do Instituto do Câncer do HC-FMUSP em 2008, passamos a contar com hospital do câncer de padrão internacional, nossos residentes dispõem de aprendizado na reconstrução mamária, excelente em volume e qualidade.
Pesquisas em andamento, comparativas, darão maior esclarecimento quanto a indicações das diferentes técnicas,mas sabemos que a cirurgia plástica irá sempre depender da individualidade daquela paciente, confrontada com a experiência do cirurgião com técnicas específicas; por sermos país de dimensões continentais ,com assistência médica e formação profissional longe de ser uniforme, obrigamo-nos a manter alto nível de pesquisa clínica e promover educação de excelência para nossos residentes e alunos.

Referencias
1. Ferreira MC, Monteiro Jr AA; Besteiro JM. Aplicações clínicas do retalho músculo- cutâneo do grande dorsal.
Rev. Col. Bras. Cirurg 9:147, 1982.

2. Munhoz A; Ishida LH; Ferreira MC; et al. Perforator flap breast reconstruction using internal mammary perforator branches as recipient site.
Plast. Reconstr Surg 114, 62, 2004.

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